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DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Diálogo Inter-religioso

Por: Maria Clara Bingemer

O mundo em que vivemos não é mais como aquele onde viveram nossos antepassados, nossos avós, as gerações que sempre nasceram e se criaram cercados dos símbolos, dos sinais e das afirmações da fé cristã e – mais do que isso – católica. Hoje vivemos num mundo onde a religião muitas vezes desempenha mais o papel de cultura e força civilizatória do que propriamente de credo de adesão que configura a vida. Mais ainda: vivemos num mundo plural em todos os aspectos e termos. Desejamos dizer com isso que a pluralidade advinda da globalização afeta não apenas os terrenos econômico e social, mas igualmente os políticos, culturais e também religiosos. Em nossos dias as pessoas nascem e crescem no meio de um mundo onde se cruzam, dialogam e interagem de um lado o ateísmo , a descrença e/ou a indiferença religiosa, e de outro lado várias religiões, antigas e novas que se entrecruzam e se interpelam reciprocamente. O Cristianismo histórico – e, portanto, também e não menos a teologia cristã – se encontra no epicentro desta interpelação e desta pluralidade.

O pluralismo, na verdade, não é um fenômeno novo da história da humanidade. Está presente mesmo na trajetória do Cristianismo desde os seus primórdios. Já desde os primeiros séculos, o cristianismo nascido no seio do judaísmo será interpelado a encontrar maneiras de comunicar-se e fazer-se entender em meio ao mundo pagão e politeísta da Grécia e da Roma antigas. Para tal, deverá servir-se das categorias da filosofia grega, antiga e pagã, assim como será compelido a dialogar com as crenças em diferentes divindades presentes no imaginário deste mundo, a fim de poder fazer visível , audível e compreensível a experiência de seu Deus. Um exemplo saboroso e potente desse pluralismo e da postura ao mesmo tempo audaciosa e dialogal com que o Cristianismo nele se inclui é o episódio de Paulo no areópago de Atenas, com seu anúncio do Deus desconhecido, descrito no capítulo 17 do livro dos Atos dos Apóstolos.

Esse pluralismo pareceu obscurecer-se na Idade Média, quando o mundo ocidental era maciça e quase totalmente cristão. Os que professavam credos diferentes eram considerados infiéis que se encontravam em erro e não havia diálogo possível com sua diferença por parte do pensamento cristão, e muito especificamente, por parte da Teologia. A Reforma Protestante virá recolocar a questão do pluralismo, rompendo a univocidade da cristandade. O processo de secularização, com a autonomia da razão, o racionalismo e a crise das instituições trará por sua vez novos elementos para um quadro onde a homogeneidade já estava senão rompida, ao menos questionada.

Hoje assistimos à privatização da vida religiosa, que vai de par com a autonomia do homem moderno versus a heteronomia que regia o mundo teocêntrico medieval.. Cada um compõe sua própria "receita"religiosa e o campo religioso passa a se assemelhar a um grande supermercado assim como também a um "lugar de trânsito"onde se entra e se sai. A modernidade não liquidou com a religião, mas esta ressurge com nova força e nova forma, não mais institucionalizada como antes, mas sim plural e multiforme, selvagem e mesmo anárquica, sem condições de voltar a sua configuração pré-moderna.

O ser humano que viveu a crise da modernidade, ou que nasceu em meio ao seu clímax, e já nada em águas pós-modernas, à diferença do adepto da religião institucional, que adere a uma só religião e nela permanece; ou mesmo do ateu ou agnóstico, que nega a pertença e a crença em qualquer religião é como um "peregrino" que caminha por entre os meandros das diferentes propostas que compõem o campo religioso, não tendo problemas em passar de uma para outra, ou mesmo de fazer sua própria composição religiosa com elementos de uma e outra proposta simultaneamente.

Por outro lado, o teólogo deve defrontar-se hoje com outro fenômeno que lhe complexifica o quadro no interior do qual se desenvolve seu trabalho e sua reflexão: o da pluralidade religiosa e a interpelação do diálogo inter-religioso. Uma coisa que aparece clara neste quadro é que, por um lado, o Cristianismo histórico percebe que perdeu a hegemonia que havia secularmente adquirido, sobretudo, concretamente, em países como o Brasil, latino, tradicionalmente católico, onde a pertença cristã, mais que escolhida livremente na idade adulta, era herdada desde o seio materno. Ser cristão hoje não é mais evidente e o cristianismo é chamado a encontrar o seu lugar em meio a uma pluralidade de outras tradições e confissões religiosas dos mais diversos matizes.

Por outro lado, essa pluralidade religiosa levanta para o Cristianismo algumas interpelações bastante sérias quanto a conteúdos mesmo do depósito de sua fé. Para realmente dialogar num mundo pluri-religioso, há que estar dispostos, da parte dos cristãos, a encontrar palavras novas para dizer coisas antigas e tradicionais e fazer-se entender.

Fonte: http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/vida_academica/artigos/amai/Dialogo.doc.